por
Jorge da Cunha Lima
Fonte:Folha de S. Paulo
O jurista Fernando Fortes, no último encontro da Abepec (Associação Brasileira de Emissoras Públicas e Educativas), realizado em Sergipe, teceu considerações oportunas sobre a medida provisória 398, de 10 de outubro de 2007.
Diz o professor de direito constitucional da PUC que, se aprovada, a medida provisória se transformará na primeira lei a estabelecer os princípios da TV pública educativa no Brasil. Até hoje, só uma lei trata diretamente do assunto, o decreto-lei 236 de 1967, baixado pelo regime militar para complementar e modificar o Código Brasileiro de Televisão, de 1962. Esse vazio legislativo, visto que a lei de 67 caducou com o advento da Constituição, dificulta a consolidação da TV pública no Brasil.
A MP funcionará como uma regulamentação da própria Constituição, e a ela submeterá toda a criação de TVs públicas pelo Estado. Dessas normas nenhuma delas poderá se afastar. Incumbirá à sociedade fiscalizar o seu cumprimento, independentemente de o instrumento, MP, ter sido o mais adequado ou não.
Essas virtudes não decorreram do acaso, nem da pressa do Executivo em criar uma nova televisão. Decorreram de muitos fatores: o aperfeiçoamento ético e profissional ocorrido na Radiobrás na gestão de Eugenio Bucci; as melhorias na administração e nas instalações da TVE durante o mandato de Beth Carmona; a luta da TV Cultura de São Paulo para manter uma programação de alto nível e sua independência política e intelectual em quase todas as administrações. E mais, o esforço de 21 emissoras estaduais em superar suas precárias condições técnicas e financeiras, associado à ação da Abepec. E, além disso, o trabalho conjunto realizado pelas associações representativas do campo público da televisão.
Se essa é a gênese da MP, o DNA foi fixado no Fórum Nacional das Televisões Públicas. Por nove meses, essas associações, em conjunto com intelectuais e técnicos convidados, reuniram-se em grupos de trabalho com representantes de quatro importantes ministérios, Cultura, Comunicação, Secom e Casa Civil, produzindo o "Manifesto pela TV Pública Independente e Democrática".
Esse manifesto foi lido pelo presidente da Abepec e entregue pessoalmente ao presidente Lula, em cerimônia pública na qual o presidente falou da magnitude do seu conteúdo e no compromisso de fazer uma TV Brasil fiel aos seus preceitos.
Mais importante do que avaliações políticas sobre as intenções do governo ao criar uma TV pública é fazer uma avaliação sem qualquer pré-julgamento dos efeitos positivos da MP. Além de obrigar o governo a criar televisões dentro de uma regra democrática, proposta pela sociedade, a lei constrangerá os Estados a fazerem o mesmo. São Paulo já tem uma lei adequada, que comemora 40 anos, inspirando as outras TVs, mas trata-se de uma lei estadual sem alcance federal.
Nos outros Estados, fora o Rio Grande do Sul, as televisões públicas educativas são em verdade estatais.
A recente crise com a emissora estatal do Paraná estaria resolvida se aquela televisão observasse os preceitos da MP, que em síntese são os seguintes: "Complementaridade entre os sistemas privado, público e estatal; promoção do acesso à informação por meio da pluralidade de fontes de produção e distribuição do conteúdo; produção e programação com finalidades artísticas, culturais, científicas e informativas; promoção da cultura nacional, estímulo à produção regional e à produção independente; autonomia em relação ao governo federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão e participação da sociedade civil no controle da aplicação dos princípios do sistema público de radiodifusão, respeitando-se a pluralidade da sociedade".
Qualquer que seja a natureza jurídica da instituição criada para abrigar a concessão da TV pública, ela deverá ser controlada por um conselho representativo da sociedade, cujos membros, em sua primeira renovação deverão ser escolhidos pela sociedade e não pelo Executivo. Além desses princípios, a lei enuncia a grande missão de desenvolver a consciência crítica do cidadão, em lugar do estímulo consumista que preside a programação da TV privada.
Recomendo aos congressistas que prestem muita atenção às observações que faço, pois me sinto isento ao fazê-las, na condição de representante do campo público da televisão, pois não estou nem sou deste governo nem dos partidos que o apóiam. Apenas acho que se trata de um passo importante e decisivo. É claro que a MP pode ser aperfeiçoada, com a clara definição de recursos e um conselho escolhido pela sociedade.
Se a MP não for aprovada, a tentação será a de se fazer uma TV estatal, com alguma aparência de pública, sem um instrumento regulador que dê à sociedade o poder de controlá-la.
Jornalista e escritor, é presidente do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta.
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008
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