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segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Feios, sujos e malvados da TVE

Publicado no www.coletiva.net
01/12/2008 | Alexandre Leboutte da Fonseca * (leboutte@uol.com.br)

Li com tranqüilidade e espírito republicano alguns comentários, postados neste site (www.coletiva.net), de profissionais que têm ou tiveram algum vínculo com a TVE/FM Cultura. Manifestaram-se tanto concursados ainda integrados ao quadro da Fundação Piratini (mantenedora da TVE/FM Cultura), quanto antigos CCs dos governos Antônio Britto e Germano Rigotto (há quem tenha participado dos dois). Respeito a todos, embora entenda que os últimos tenham abandonado o campo das idéias para entrar no campo da gratuita verborragia de cunho pessoal. Há até quem tenha comparado a TVE a uma ilha fictícia que fez sucesso na TV a cabo (acessada por menos de 10% dos gaúchos e das gaúchas), para depois se distribuir pelo espectro eletromagnético comercial de um grande conglomerado de comunicação nacional.

De minha parte, entendo que a discussão (no campo das idéias) deva se dar em torno de dois eixos:
1) O da Administração Pública, regida pela Constituição Federal de 1988, pela Constituição Estadual de 1989 e pela legislação complementar;
2) O da Filosofia da Comunicação, aqui sublinhando o caráter, a estrutura de gestão e as finalidades de uma TV e de uma rádio públicas.

No que tange à Administração Pública, diz a Constituição Federal que deve ser submetida aos princípios da: “Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência”. Há alguns meses o estado do Rio Grande do Sul ficou atordoado com a publicização de um diálogo entre o então secretário da Casa Civil do governo Yeda Crusius, Cézar Busatto, e o vice-governador do RS, Paulo Feijó, sobre a dinâmica de organização da máquina pública, segundo os interlocutores.

Depois desse diálogo se tornar público, Busatto procurou se explicar, criticando o que ele chamou de “loteamento da máquina pública” pelos partidos, com o intuito de sustentar as pesadas máquinas partidárias. Registremos aqui que Busatto dirigia suas constatações, assumindo um mea-culpa, a todos os partidos do espectro político, da esquerda à direita. Busatto disse também que era um defensor da profissionalização do serviço público, da extinção dessa prática nefasta de loteamento, que é, no mínimo, imoral, para sublinharmos um dos princípios da Administração Pública.

Qualquer pessoa com um mínimo de leitura sabe que os concursos públicos passaram a ser exigidos a partir da Constituição de 1988 para moralizar as contratações e para profissionalizar os serviços públicos. Se há quem entenda que haja uma forma mais evoluída de contratação, por favor, que sugira emenda constitucional (o Brasil vai agradecer).

No segundo ponto, a questão filosófica acerca das TVs e rádios públicas, muito já se avançou no Brasil e no mundo no que diz respeito aos conceitos de Comunicação Pública, Estatal e Comercial, segmentos também apontados na CF de 1988. Um dos consensos assumidos até por governos do PSDB, como em São Paulo, é o de que uma TV/Rádio Pública deve ser controlada por uma entidade plural que vem a ser o conselho, cuja representação é composta por membros da sociedade civil e do governo. É um avanço tanto para a democracia quanto para a Administração Pública. Em São Paulo, o entendimento sobre o papel da sociedade civil organizada avançou ao ponto de não ser mais o governador quem indica a presidência da Fundação Padre Anchieta (TV Cultura), mas o Conselho Curador das emissoras.

Se a TVE e a FM Cultura estivessem submetidas, em última instância, ao Conselho Deliberativo da Fundação Piratini, talvez não tivéssemos 8 (oito) presidentes (contando as interinidades) nos últimos cinco anos e meio, além de um sem-número de “projetos de reestruturação”, cada um tentando reinventar a roda e destruir o que o anterior fez. O tempo da política, com eleições e disputas internas entre agremiações partidárias, não combina com as necessidades de planejamento, organização e execução de projetos de longo prazo como requerem nossas singulares emissoras. E, para mim, é tão fácil fazer esta constatação e sustentá-la porque nunca tive vínculo com qualquer partido político e jamais ocupei qualquer cargo de confiança em qualquer governo, o que não impede preferências eventuais e a noção pessoal de qual espectro do campo político valoriza as emissoras do campo público.

Voltando ao Conselho Deliberativo da Fundação Piratini, só quando o colegiado assumir as prerrogativas legais e, quem sabe, pleitear avanço em suas responsabilidades, poderemos vislumbrar um futuro mais digno para a TVE e para FM Cultura e, por conseguinte, aos gaúchos e gaúchas que merecem uma TV e uma rádio públicas de qualidade. Enquanto isso não acontecer, haverá muita discussão entre abnegados, militantes, cidadãos, oportunistas, carreiristas e toda sorte de sujeitos que, acredito, sempre estejam enlevados de boas intenções. Ou somos todos “feios, sujos e malvados”?

* Alexandre Leboutte da Fonseca é jornalista, representante dos funcionários no Conselho Deliberativo da TVE/RS.

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