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quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Um novo jeito de privatizar

Por que dividir os minguados tostões que o governo distribui entre educação, saúde e segurança com um serviço de comunicação? Se existem tantas emissoras de rádio e tevê, porque o Estado deveria manter mais uma?

Perguntas que o senso comum não se cansa de colocar. E para as quais há dois tipos diferentes de resposta.

A TVE e a FM Cultura são serviços públicos, emissoras mantidas pelo governo do Estado. Nos seus bons tempos, a TVE tinha quase 40 retransmissoras funcionando por todo o interior. Em termos de abrangência, ficava atrás apenas da RBS. Seus repórteres eram reconhecidos nas ruas de cidades de chão batido. E a vanguarda pensante do Estado - nomes como o do cineasta Jorge Furtado e do jornalista Eduardo Bueno, o Peninha - bolavam programas inovadores.

Trabalhar na TVE dava status.Mas esses tempos ficaram pra trás. Aos poucos, as retransmissoras foram saindo do ar. Bons profissionais, admitidos em concurso público, saíram à procura de outros desafios e não foram substituídos. A FM Cultura, de tantos prêmios internacionais de jornalismo, nem jornalismo tem mais.

E tudo isso por quê?

Porque o governo do Estado responde não às perguntas acima.E não é de agora. O processo de desmanche da TVE teve início com a eleição de Germano Rigotto. Secaram os investimentos, e mesmo as verbas para manutenção dos equipamentos e retransmissoras foram cortadas. Verba liberada, apenas, para acompanhar as viagens do governador ao interior do Estado. Mas quando o Furacão Catarina destruiu a cidade de Torres, a equipe de reportagem da TVE precisou trabalhar com um carro emprestado pela Defesa Civil. Um exemplo da inversão de valores: para interesses governamentais, a TVE sempre foi um ótimo instrumento. Mas para valorizá-la como serviço público, esses mesmos governantes fecham os olhos.

A agonia só fez aumentar quando Yeda Crusius foi eleita para o governo do Estado. Mesmo negando a existência do projeto de criação das OSCIPS - Organização Social e Civil de Interesse Público - em seu programa de governo, eis que a governadora acaba de encaminhar à Assembléia Legislativa um projeto de lei que entrega a gestão da TVE para uma OSCIP!

As OSCIPs são organizações não-governamentais (ONGs) que atuam em parceria com o Estado no gerenciamento dos órgãos públicos. São uma espécie de "anjo da guarda", que gerenciam o patrimônio público e recebem dele os recursos financeiros necessários. Têm autonomia para se relacionar com o mercado, sendo muitas vezes dispensadas de licitação para compra de bens e equipamentos e contratação de pessoal. Em contrapartida devem cumprir regras estabelecidas por elas mesmas. E sem nenhum interesse financeiro ou político!Pode parecer interessante para uma emissora sucateada e quase falida ter seu patrimônio entregue a uma OSCIP.

Mas não é. Cabe ao Estado proporcionar aos seus cidadãos o direito a uma informação de qualidade, diversificada e que promova valores regionais. E é isso que a TVE sempre fez, e corajosamente tenta continuar fazendo. Mesmo com a debandada de profissionais, mesmo sem sinal de qualidade no interior. Todo fim de ano tem festa na redação, tamanha a quantidade de prêmios conquistados pela equipe de jornalismo. Programas como o Radar, que dá visibilidade a todo tipo de músicos sem receber um real sequer do jabá que as emissoras comerciais recebem, o Consumidor em Pauta, que responde às dúvidas dos telespectadores sobre problemas com empresas, justiça e o próprio governo e o Pandorga, primeiro e único programa infantil produzido no Estado são cobiçados por outras emissoras, até de fora do país.

Estes - e muitos outros programas transmitidos pela TVE - são programas que não poderiam ser veiculados numa emissora comercial - por mais preparada tecnologicamente que ela seja. E por um único motivo.

Eles não são comerciais.

Eles não foram criados para satisfazer anunciantes. Eles existem para fornecer ao cidadão comum - que não tem tevê a cabo e não costuma navegar na internet - informações que outras emissoras não dão. São programas que seguem a uma lógica pública, uma lógica para o público.Quem responde sim às perguntas iniciais desse artigo tem que se sentir obrigado – e mais ainda, orgulhoso – a manter esse tipo de serviço. Isso porque vivemos numa sociedade onde a informação é tão importante quanto educação, segurança e saúde.

Será que uma OSCIP assumiria a gestão da TVE sem interesse financeiro algum? Será que uma OSCIP manteria a programação de qualidade e independente que sobrevive até hoje? M

etade dos 3 bilhões de reais que o governo federal transferiu para as Ongs - Oscips entre elas - nos últimos anos foram desviados. Corremos esse risco, e mais ainda, corremos o risco de ver a programação da TVE descaracterizada, submetida à busca de recursos junto ao mercado. O Estado lava as mãos para a sua tevê, a entrega para entre privados, para que estes lucrem com o descaso governamental.

Não credito em anjo da guarda. OSCIPs são lobos cuidando das ovelhas. A governadora foi eleita com o slogan ‘um novo jeito de governar’. Oscips são o novo jeito de privatizar.

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